Cadeirante em frente a prédio histórico
Dicas dos Convidados Espanha

Falando de turismo acessível

jan 19, 2015 Adriana Magalhães
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Convidei minha amiga jornalista, Daniele Lessa, para falar das dificuldades que as pessoas com deficiência encontram ao fazer turismo. Será que o Brasil proporciona um turismo acessível? Com vocês, a experiência da Dani.


Comentar sobre turismo acessível, para mim, começa nessa questão de ser turista ou viajante. Para isso recorro à Cecília Meireles – a poeta tem uma vasta literatura de crônicas de viagem. O turista, para Cecília, é uma criatura feliz: “seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais , tudo com uma agradável fluidez, sem apego nem compromisso.” Nos dias de hoje, em vez de postais, selfies, não?

Já o viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetMulher com a cidade de Alhambra ao fundo, em Granadaos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro – um futuro que ele nem conhecerá.

Uma cadeirante viajante

A minha vivência como cadeirante que viaja aponta que o mundo do turismo está bastante acessível. Mas para ser um viajante é preciso pagar um preço maior, o de amar cada dificuldade do caminho. Mas me apresento: sou Daniele e uso cadeira de rodas. Então falo do ponto de vista de quem tem uma deficiência física, ok?

Falando de Brasil, vejo que os locais turísticos foram se equipando nos últimos anos. Mesmo em cidades menos visitadas, encontro acesso e banheiros nos locais mais turísticos. Se for para passar de um ponto a outro, como o turista feliz de Cecília, diria que o Brasil caminha bem em termos de turismo acessível.

Faltam ajustes nos pontos turísticos, é claro. Apenas os hotéis mais caros têm quartos adaptados. Poucos restaurantes têm banheiros acessíveis – mais uma vez, a chance aumenta nos restaurantes mais caros. Ônibus adaptados são unicórnios desses que a gente quer loucamente que existam, mas nunca viu. Uma pessoa com deficiência gasta mais dinheiro para fazer o turismo mais convencional. Isso acontece basicamente porque os locais citados – hotéis, restaurante, empresas de transportes – não sofrem nadinha por descumprirem a lei de acessibilidade. 

Meninos em frente a fonte de água em Granada, na Espanha -


Ainda nos locais turísticos, afianço que muitos deles têm rampas lindas, diria que perfeitas. A questão interessante é que essas rampas existem sozinhas. Algo muito comum (muito mesmo) é encontrar uma rampa perfeita em frente ao “lugar turístico”. Aí subo toda contente, vejo o que está lá em cima, e resolvo seguir caminhando/rodando pela calçada. Vou andando, rodando, andando, rodando….  e percebo que a única rampa do quarteirão é aquela por onde subi.

A experiência turística permitida é chegar ao local turístico, subir a rampa, depois descer a rampa, depois pegar um táxi e ir até outro “lugar turístico” com uma rampa maravilhosa. Flanar pela cidade querendo morar vagarosamente nas  coisas e movimentos da cidade é algo possível desde que você se coloque na posição de dividir a rua com os carros e pedir ajuda a cada esquina. É a opção que faço. Viajo sozinha com frequência e entendo que o caminhar pela cidade é que me faz viajante. Isso não exclui locais turísticos, porém vai muito além deles. 

Pessoas com deficiência não encontram caminhos livres no seu cotidiano. Eu, que moro no centro de Brasília, não vou à padaria da esquina sem ajuda. Isso acontece em qualquer cidade brasileira. O que maltrata o morador penaliza também o viajante. Os órgãos públicos não constroem  caminhos de forma orgânica, colocando-se no lugar de quem está caminhando com dificuldade ou rodando pelas calçadas.

O mais comum é fazer uma distribuição de rampas sem pensar 50 metros adiante do local turístico. É exatamente assim que acontece – 50 metros adiante as rampas não existem mais ou estão tão detonada que é inviável passar sem ajuda. 

Conheço cidades em todas as regiões do Brasil, e mais um tanto no estrangeiro. Tenho uma tara especial por me perder caminhando mais ou menos sem destino. Viajo acompanhada por amor de compartilhar a vida e viajo sozinha por necessidade de alma. Para esse tipo de viajante, somente o acesso ao lugar turístico é uma miséria.

Queremos flanar pela cidade

Queremos flanar pela cidade. E fazemos isso no Brasil a despeito de tudo, conhecendo pessoas que nos ajudam. Então faço aqui um agradecimento especial a todas as pessoas que me resgataram Brasil afora: a minha vida de viajante, no meu país, não seria possível sem vocês.  E sim, vagar pelas cidades  sem preocupação com acessibilidade é uma realidade em outros países. No Brasil, a toada ainda é o das lindas rampas turísticas e caminhos acessíveis inexistentes.

Me pergunto o que é preciso para mudar essas barreiras, considerando que a legislação brasileira sobre acessibilidade é muito boa, clara e já devia estar sendo respeitada há anos. E sinceramente não sei. Essa indignação das redes sociais ao ver uma ou outra situação chocante é necessária, mas a lista de barbaridades é maior que a capacidade das pessoas de darem atenção ou mesmo de tomarem uma atitude. Aliás, a lista de barbaridades do mundo ultrapassa em muito a simples ausência de caminhos – mas abrir caminhos, de concreto e de afetos, me parece a principal alternativa às loucuras de hoje. 

Sou otimista, pois as coisas melhoraram muito nos últimos anos. Mas talvez eu não esteja viva para encontrar o Brasil que permita às pessoas com deficiência serem viajantes sem rumo, perdidos nos desconhecidos cotidianos das tantas cidades. 

Agradeço à Adriana Magalhães pelo convite de escrever nesse blog tão bacana. Compartilho da vontade de atravessar fronteiras, sempre, das mais diferentes formas. As fotos são de viagens que fiz sozinha.


 

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